De Nada na Cooperativa Árvore

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31-03-2017

A Cooperativa Árvore, Porto, vai inaugurar sexta-feira, 31 de março, pelas 22h00, na sede da Cooperativa de Actividades Artísticas, a exposição intitulada "De Nada - de Ana Fernandes, uma das personalidades mais vincadas no panorama das artes e do design contemporâneo português.

Formada em Escultura pela Escola Superior de Belas Artes do Porto, em 1968, Ana Fernandes foi professora de Desenho e de Educação Visual até 1998. Posteriormente dedica-se à escultura e ao design de jóias e de objectos, utilizando nas suas criações materiais de todos os tipos e proveniências (pobres, nobres, preciosos e não preciosos). O desenho é geralmente muito depurado, contemporâneo e de pendor minimalista, mas sempre numa abordagem estética claramente intemporal. Os seus trabalhos estão integrados em diversas colecções tanto em Portugal como no estrangeiro.

A curadora da exposição é Laura Castro que a propósito da exposição escreveu que "se a arte não reside no que vemos, mas no que não vemos, o projecto de Ana Fernandes ilustra claramente esta premissa. Vemos materiais, formas e cores, objectos criados pela artista, mas o que verdadeiramente a mobilizou não está aqui, está noutro lugar, no lugar das memórias, dos usos e das vivências que estes trabalhos evocam. Dito de outro modo, confrontamo-nos, no plano da evidência, com o registo dos gestos da artista, de composição e de reconfiguração, modos de actuar no presente. E pressentimos, no plano da substância, os gestos quotidianos de outrora que se alteraram irremediavelmente. A artista liga o passado – esse tempo em que as coisas mantinham a sua integridade e o seu carácter utilitário – ao presente – este tempo marcado pelo uso estético, única via possível para activar aqueles objectos. Entre um plano e outro, entre um momento e outro, perdem-se e ganham-se valores, significados e intensidades. Esta exposição é, portanto, sobre o fluxo do tempo, os seus vestígios e os seus efeitos. Vê-la deste modo é vê-la de fora. Precisamos de a ver do lado interior, a partir das pequenas histórias que a artista recorda e que a seguir se enumeram, num ritmo descompassado de breves fragmentos que enchem de vida o que se nos apresenta".

Para Laura Castro "Ana Fernandes interessou-se pelas mantas e pelos cobertores e levou-os para sua casa. Não se considera, no entanto, uma colecionadora, isso exigiria um esforço de catalogação e de classificação que não lhe interessa, bem como cuidados que não a cativam. A palavra juntar é mais acertada do que a palavra colecionar. E a sua atitude face às coisas não coincide com a da valorização intrínseca do objecto que o colecionador manifesta, é antes a reação de quem guarda para um dia reutilizar, a predisposição para manusear e alterar os objectos, para lhes conferir nova fisionomia. Ana Fernandes afirma partir para um novo projecto quando sente os objectos e lhes reconhece a carga emotiva e vivenciada que carregam, age movida pelo prazer e pelo entusiamo. Actua mediante o espanto e a curiosidade de ver os objectos como se fosse a primeira vez, de se deixar surpreender por eles, de pensar sobre a sua função. Nas suas mãos, olhar, ideias e emoção serão reinventados como coisas distintas sem que, por isso, percam tudo o que anteriormente os definia".

A curadora refere que "a dimensão intimista e sensível da abordagem de Ana Fernandes não afasta uma dimensão política e social, expressa no relacionamento com os objetos, desde a sua produção à sua reprodução, desde o seu consumo à sua estetização, desde o seu utilitarismo ao seu simbolismo, desde a sua indiferença à sua expressividade. Esta faceta política associa-se a um discurso que recusa o desperdício e que incorpora novas experiências sociais e uma nova ordem cultural. A reciclagem de hoje corresponde ao aproveitamento que se fazia no passado. Os objetos serviam muitas vidas e sucessivas gerações, consertavam-se os utensílios, remendavam-se os panos, encontravam-se substitutos para peças que já não se fabricavam, na experiência de muitos verbos que hoje não se conjugam. Aqui se sobrepõem duas formas de cultura: a que herdamos pela partilha ritual de um modo de vida; a que criamos, pela aprendizagem formal de uma disciplina erudita. Adequar e adaptar em processos incessantemente renovados que são capazes de reconfigurar, não apenas objetos, mas pessoas e a sua existência individual e social.

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