Cientistas alertam para fármaco que pode colocar em risco abutres no país

A autorização do medicamento diclofenaco para uso pecuário em Portugal ameaça as populações de abutres. O alerta de um grupo de biólogos e ambientalistas portugueses e espanhóis vai ainda mais longe e antevê que, se o Governo der luz verde à utilização deste anti-inflamatório, também as populações de águias possam vir a sofrer danos irreparáveis. Coordenados em Portugal pela Universidade de Aveiro (UA), os cientistas já estão no terreno para apresentarem ao Governo as provas de que o medicamento que na década de 90 quase extinguiu o abutre no sul da Ásia pode trazer para Portugal um cenário igualmente negro para as aves.
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"As aves necrófagas, e especialmente algumas espécies de abutres, são extremamente sensíveis aos efeitos tóxicos de fármacos anti-inflamatórios não esteroides, como o diclofenaco ou diclofenac, que podem ingerir acidentalmente a partir dos cadáveres do gado doméstico tratado com estes produtos”, alerta o biólogo da UA Carlos Fonseca, coordenador em Portugal do estudo que conta com a participação de diversas entidades públicas e privadas e várias Associações, Centros de Recuperação de Animais Selvagens e ONGs dedicadas à defesa da vida selvagem.

Para além da UA, no esforço para travar o anti-inflamatório, entre várias organizações está a Liga para a Protecção da Natureza (LPN), a Associação Transumância e Natureza (ATN), a Quercus, o Centro de Recuperação e Investigação de Animais Selvagens da Ria Formosa (RIAS), o Centro de Ecologia, Recuperação e Vigilância de Animais (CERVAS) e o Hospital Veterinário da Universidade de Trás os Montes e Alto Douro.

Anti-inflamatório causa morte por falência renal

Apesar de existirem outros anti-inflamatórios que, produzindo o mesmo efeito no gado, são mais seguros para as aves necrófagas, aponta o investigador do Departamento de Biologia da UA, “foi confirmado que está também atualmente a ser avaliado pelo Estado Português um pedido de autorização de comercialização do diclofenaco para uso pecuário em território nacional”. Uma autorização que, a ser concedida “poderá colocar em causa de forma irremediável os esforços nacionais de conservação das aves necrófagas, agravando ainda mais os riscos que recaem sobre estas espécies na Península Ibérica”.

"Atendendo ao impacto conhecido nos abutres e grandes águias, invariavelmente a morte por falência renal quando expostos a este fármaco, e ao reduzido tamanho e vulnerabilidade das nossas populações, a autorização do uso do diclofenac na pecuária constituirá um enorme risco para estes animais, colocando em causa a sua sobrevivência e a recuperação das suas populações”, aponta Carlos Fonseca.

Mesmo que apenas um reduzido número de cadáveres contaminados por diclofenac provenientes da pecuária acabem por servir de alimento a estas espécies, lembra o biólogo, “esses terão o potencial de causar a morte a um elevado número de indivíduos que habitualmente se alimentam em grupo e de eliminar totalmente casais reprodutores de aves necrófagas em determinada região, em especial se atendermos ao reduzido número de casais nidificantes que a maioria das espécies possui em Portugal”. De facto, aponta, “situações como estas, poderão facilmente deitar por terra os esforços de conservação destas espécies, assim como muitos anos de recuperação das suas populações”.

Estudo já está no terreno

Com financiamento da Fundação Norte-americana “Morris Animal Foundation”, uma organização sem fins lucrativos que investe em investigação para promover a saúde animal, incluindo a fauna selvagem, uma equipa de  investigadores da UA, das espanholas Universidade Autónoma de Barcelona (coordenadora geral do projeto), do Instituto de Investigação em Recursos Cinegéticos e da Universidade de Lleida, assim como do “Raptor Center” da Universidade de Minnesota (EUA), estão a estudar a exposição das aves necrófagas ao diclofenaco e a outros fármacos anti-inflamatórios na Península Ibérica. O objetivo é mostrar que o mesmo diclofenaco que, na década de 90, causou o desaparecimento de 99 por cento dos abutres no sul da Ásia devido ao consumo dos cadáveres de gado tratado com este medicamento pode trazer para Portugal e Espanha semelhante cenário.

“Os resultados que se obtenham a partir deste projeto”, aponta Carlos Fonseca, “proporcionarão informação chave às autoridades veterinárias que regulam o uso destes fármacos, que já estão proibidos em vários países asiáticos desde 2006, e informarão para um futuro processo de tomada de decisões”. Os cientistas e ambientalistas esperam que, entretanto, “a utilização do melhor conhecimento científico existente e o respeito pelo princípio da precaução impeçam a autorização do diclofenaco no nosso país, evitando o consumar de um risco real, iminente e crítico para a conservação das aves necrófagas em Portugal”.

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