Alexandre Quintanilha: "Obrigado professor por nos mostrar que nem tudo o que óbvio é verdadeiro"

É um dos cientistas portugueses mais conceituados no mundo. Ele é Alexandre Quintanilha, 71 anos, moçambicano, cientista de inteligência prodigiosa, doutorou-se em Física, na África do Sul, e logo depois em Biologia, nos Estados Unidos. Criou o Instituto de Biologia Molecular e Celular, o Instituto Nacional de Engenharia Biomédica. Durante 20 anos foi director do Centro de Estudos Ambientais na Universidade de Berkeley. Há dois anos está no Parlamento como deputado independente eleito como cabeça de lista do PS pelo círculo do Porto. É presidente da Comissão de Educação e Ciência, professor jubilado, presidente do conselho consultivo do Hospital Magalhães Lemos, presidente do Conselho de Escola da Escola Nacional de Saúde Pública, presidente da Comissão de Ética para a Investigação Clínica, que analisa todos os pedidos de ensaios clínicos e medicamentos no país. Cidadão do mundo, viveu vinte e muitos anos em três continentes, África, América, Estados Unidos e Europa. Fala quatro línguas e interessou-se sempre por diferentes áreas do conhecimento. Curioso inveterado, sente-se frequentemente insatisfeito com as respostas que lhe dão e teme as pessoas que apenas têm certezas.
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Disse um dia que a sua droga mais potente era o vinho do Porto. Porquê?

Porque nunca fumei o que quer que seja (a ideia de encher os meus pulmões de produtos de combustão não me seduz). Para além da aspirina ocasional, consumo pouquíssimos medicamentos e quantidades ínfimas de álcool.

 
O que o levou a escolher a Física e a Biologia para se realizar profissionalmente?

Escolhi primeiro a Física. Porque os avanços da Física no início do Séc.XX foram extraordinários e fascinantes. A maioria completamente contra-intuitivos. Quando acabei o meu doutoramento em Física Teórica no início dos anos 70, foi quando a Biologia começou a evoluir de uma forma espantosa. Foi por isso que resolvi mudar de direcção e ir para um dos sítios no mundo onde a Biologia estava a dar passos gigantescos - Berkeley, na Califórnia.
 
Fundou o Instituto de Biologia Molecular e Celular (IBCM). Com que objetivo? Conseguiu?
 
Fundei o IBMC e consegui juntar o Instituto Nacional de Engenharia Biomédica (INEB) ao IBMC no que foi um dos quatro primeiros Laboratórios Associados do Ministério da Ciência. O objectivo era estimular a interdisciplinaridade entre cientistas de vários domínios (biólogos, químicos, físicos, matemáticos, médicos, farmacêuticos ...) e engenheiros também de vários domínios (de materiais, eletrotécnicos, de computadores ...). Sim! Acho que conseguimos em grande parte. Mais recentemente, com o IPATIMUP (Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto), conseguimos adicionar uma terceira valência (a da clínica) e construir um grande Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S) no Porto.  
 
Quais as maiores alegrias que a profissão lhe deu? E as maiores desilusões?
 
A maior alegria foi a de ver os meus antigos alunos irem muito mais além do que eu tinha ido. A maior tristeza foi a de perceber a procura do conhecimento também atrai algumas pessoas egoístas, invejosas, pequeninas e mesquinhas.
 
O fato de ter vivido em três continentes distintos fez com que ganhasse outra visão da área que escolheu?
 
Com certeza. Foram três experiências extremamente ricas, porque em todas elas acabei por me sentir muito "em casa". Aprendi imenso, profissionalmente e emocionalmente. Deixei de ter certezas e tornei-me muito curioso do que era novo e desconhecido. Com olhares diferentes.
 
No campo do ensino, o que mais gostaria de fazer? Sente saudades do tempo em que lecionava? O que procurava transmitir aos seus alunos?
 
Às vezes sinto saudades do tempo em que lecionava. Mas não muitas. Penso que o objetivo principal do ensino é estimular a curiosidade (fazer novas perguntas), a imaginação (imaginar respostas diferentes) e a paixão pelo desconhecido (não desistir de procurar respostas consistentes). No Parlamento tenho outros (e novos) desafios.
 
Deixar a área da investigação e ensino para assumir funções como deputado da Assembleia da República foi uma decisão difícil?
 
Não. Foi um pouco assustador no início, mas agora já me sinto muito à vontade e sempre com imensas perguntas e dúvidas. 
 
Há, no seu entender, alguma relação entre as funções (a de cientista e a de deputado)?
 
Ambos querem encontrar respostas relevantes e realistas a problemas dos mais variados tipos. Querem inovar na área técnica, social e humana. Fala-se muito mais de inovação tecnológica, esquecendo-nos dos enormes avanços na inovação social e humana que ajudarão a consolidar as democracias em que vivemos. 
 
O que ainda lhe falta fazer nesta vida?
 
Talvez um curso de Arquitetura, ou aprender a tocar um instrumento musical, ou a aprender uma nova língua ...
 
O que se pode esperar da conferência que vai fazer dia 8 de junho na Cooperativa Árvore?
 
Que eu fale das pessoas e dos sítios que me ajudaram a crescer.
 
Em Portugal, os apoios para a área da Ciência/Investigação são suficientes? O que mais faz falta?
 
Os apoios para estas áreas nunca são suficientes. E com mais pessoas a serem atraídas pela Investigação e Inovação, os apoios terão de crescer para que possamos ajudar a construir um futuro sustentável.
 
Já recebeu vários prémios. Qual o que teve um sabor especial?
 
Um bilhete singelo dos meus alunos do último ano em que dei aulas que dizia "Obrigado professor por nos mostrar que nem tudo o que óbvio é verdadeiro" (não sei se foram exactamente estas palavras, mas foi esta a mensagem)
 
Quem é Alexandre Quintanilha?
 
Filho de um açoreano (com temperamento germânico)  e de uma berlinense (com temperamento latino), que teve a sorte de viver períodos de mais de 20 anos na África Austral, na Califórnia e em Portugal. Que teve a sorte de encontrar, há quase 40 anos atrás, o Richard com quem partilha tudo. E que, apesar de ter passado alguns momentos muito difíceis, no início das grandes mudanças, continua a pensar que essas mudanças foram fundamentais para se ir realizando e para se ir descobrindo, a si próprio e ao mundo que o rodeia. A mais recente dessas mudanças, a de vir para o Parlamento como deputado, confirma esta ideia.  

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