Cuidados de saúde recusados a grávida de 17 anos

Um entre milhares de exemplos ilustrativos da impressionante discriminação da Mulher, na India.
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É amplamente reconhecia a dupla discriminação de que são alvo as mulheres, na Índia: o grupo social de pertença e a condição de ser mulher, com todas as consequências que tal acarreta, num país em que as mulheres não têm controlo sobre o seu destino.

Na passada semana a Revista Visão publicou uma notícia sobre uma adolescente que, depois de ter engravidado, foi expulsa de casa e abandonada pelo namorado. Sem qualquer tipo de apoio (aliás vivia sem-abrigo há 4 meses) a jovem teve a bebé na rua, sendo-lhe recusado apoio médico no hospital, com o argumento de que não estava acompanhada por um “responsável”. Com sinais evidentes de sofrimento a jovem voltou para a rua, tendo um médico decidido cortar o cordão umbilical.

Uma situação que atenta contra a dignidade humana, numa sociedade em que ser mulher é ainda um estigma, um fator de risco para todas as formas de discriminação, tão evidente neste episódio.

A feminilização da pobreza na India explica a falta de acesso das mulheres a bens alimentares, educação, medidas sanitárias e assistência médica, impedindo que aquelas consigam suprir as necessidades mais básicas e que consigam viver em patamares mínimos de dignidade.    

O casamento de crianças, o pagamento do dote (proibido desde 1991, mas ainda realizado por muitas famílias), o aborto seletivo, os infanticídios de raparigas, a preferência pelos filhos em detrimento das filhas, a marginalização das viúvas são apenas alguns exemplos que deixam transparecer que a mulher, na India, é considerada um Ser inferior.

Há algumas mudanças em termos legislativos que nem sempre se refletem nas práticas comummente aceites e adotadas. Por exemplo, a lei de tráfico de pessoas para fins sexuais (reformulada em 1986), a lei que proíbe o casamento infantil (2001), a lei relativa ao diagnóstico pré-natal (2003) – que proíbe revelar o sexo do bebé antes do nascimento-e a lei de proteção da mulher contra a violência doméstica (2005). Há também alguns acordos internacionais que procuram proteger e promover os direitos humanos e as liberdades fundamentais das mulheres. Destaca-se, a título de exemplo, a Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres, a declaração de Beijing e a Declaração do Milénio das Nações Unidas. É de registar, igualmente, o importante apoio das Organizações não-governamentais, na prevenção da discriminação da mulher, em todas as suas formas.

Não obstante haver uma “luz ao fundo do túnel”, sustentada por alterações à legislação em vigor e pelo trabalho de ONG`s nacionais e internacionais, diariamente são traficadas, na India, 200 raparigas e mulheres, sendo que a pobreza extrema, o desemprego, o analfabetismo, a viuvez prematura e a escassez de recursos económicos explicam tal facto.

No meu ponto de vista a imprensa tem um papel fundamental na deteção e no alerta de situações que atentam contra a dignidade humana, como foi o caso desta jovem grávida e da sua filha recém-nascida. Por outro lado, evidencia-se a necessidade de questionar, pessoal e coletivamente, as questões de género, no sentido de conseguirmos transformar o posicionamento das mulheres na sociedade indiana atual, permitindo uma maior participação destas na esfera pública, uma maior emancipação e um empowerment mais consistente, capaz de promover uma alteração gradual no paradigma de género, com repercussões efetivas na reposição da dignidade às mulheres e às raparigas.

 

Benedita Aguiar, Membro efetivo da Ordem dos Psicólogos Portugueses.

Especialista em Psicologia Clínica e da Saúde

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