Marine Antunes: ter humor é a melhor forma de fazer frente ao Cancro

Diz ser uma miúda grata, absolutamente feliz com aquilo que tem e, na maior parte das vezes, bem resolvida. Ri muito, chora muito, tem oscilações de humor, adora criar, produzir, escrever e rir. É sonhadora, acho sempre que tudo se acabará por compor e come demasiado. Quem é? Marine Antunes, a autora do livro Cancro com Humor e da Associação com o mesmo nome. Porquê esta entrevista? Porque ela, como tantas outras pessoas deu de caras com o Cancro. E o que fez? Aprendeu a fazer frente à maleita com humor.
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O que levou Marine Antunes a escrever um livro com este título? Não é visto como algo assustador?
O nome do projeto, criado em 2013, é Cancro com Humor por isso, tudo aquilo que tenho feito dentro do projeto tem esse nome mas sim, tenho total noção que estou a "escancarar" dois tabus. Por isso é que o faço. Porque cancro ainda é tabu em Portugal e o humor também é (ainda estamos a discutir os limites do humor) e juntá-los é a única forma de os quebrar ao mesmo tempo. É preciso não ter medo de rir que é a mesma coisa que assumir a alegria nas nossas vidas. É preciso não ter medo de desconstruir, de assumir o que se é, o que se pensa, o que se vive. O humor ajuda-nos a ser livres.
 
O que levou a criar uma associação com o mesmo nome?
Fundei a Associação Cancro com Humor em 2013 e durou um ano. Depois disso, voltei às origens e o Cancro com Humor passou a ser novamente um projeto pessoal. Ter uma Associação parecia-me o passo certo. Era um sonho tornado realidade e, com ela, eu e a minha irmã Alison e o Simão, os três mosqueteiros, fizemos um excelente trabalho. Levámos teatro aos hospitais, criámos campanhas de sensibilização que estiveram expostas pelo país, organizámos eventos, workshops, palestras. Foi para criar tudo isto que a fundei.
Demos mesmo o nosso melhor. Mas também vivemos momentos muito difíceis - apesar de termos conhecido gente incrível também se aproximaram de nós, da Associação, pessoas altamente mal intencionadas. Percebi que não poderia proteger o projeto como queria sendo uma associação e que gastava a maior parte do meu tempo a tratar de burocracias do que a fazer aquilo que mais gosto - escrever, comunicar.
 
É com a sua experiência de vida que espera ajudar aqueles a quem o cancro consome?
De certa forma, sim. Apercebi-me que é muito importante conhecermos histórias positivas para termos mais esperança e nos sentirmos menos sozinhos. E só poderei ajudar falando daquilo que vivi, na primeira pessoa. Só assim me faz sentido.
 
Qual foi a sua reação imediatamente a seguir ao anúncio de que tinha um línfoma?
Era muito criança e não reagi imediatamente. Mas quando percebi o que se estava a passar, percebi automaticamente que iria facilitar a vida a toda a gente e fazer a minha parte - aceitar e colaborar. Sem dramas, com humor, com alegria, com fé. Portei-me muito bem :P
 
Quais as principais armas a usar para combater a maleita?
Não gosto da palavras armas - acho que temos de parar de falar em guerra, batalha, combate, guerreiros. Precisamos de sentir que estamos em paz, não que estamos em guerra. Prefiro a palavra "ferramentas". O amor é a principal ferramenta para tudo. E o humor que entra na equação do amor porque, para mim, não há ato mais generoso de amor do que fazer alguém rir.
Claro que nunca me safaria sem a medicina, sem os tratamentos e ... é preciso sorte. Até no cancro é preciso sorte. Penso que tive a sorte de ter tudo ao meu dispor, sobretudo a família, que foi o maior apoio. 
Ah, e perdoe-me a ousadia: mas paremos de encontrar sinónimos para a palavra cancro. Por isso é que há tanto medo em falar de cancro, porque o chamamos de maleita.
 
O que leva a acreditar que é possível vencer o cancro mesmo quando "a qualidade dele" é sentença de morte?
Como sabe, o cancro não tem de ser uma sentença de morte. Podemos sobreviver a ele. Claro que podemos. E mesmo quando é dito a alguém que já não há nada a fazer, há que manter a esperança. Recuso-me a ser negativa e a achar que o cancro é uma sentença de morte. Existem casos de superação todos os dias. Todos. Mesmo nos casos mais difíceis. E mesmo que, no final, o desfecho não seja a sobrevivência, como disse o nosso Manuel Forjaz, "posso morrer de cancro mas o cancro não me matará".
 
O que teve de mudar? Foi fácil? Que apoios teve?
Tive de aprender a ser mais paciente, mais forte, a ter ainda mais foco. Tive uma adaptação tranquila à minha nova realidade mas nunca seria uma miúda feliz sem o apoio incondicional da minha família e dos meus amigos. Esses têm o maior mérito da minha superação.
 
O que pretende ao procurar a desmistificação do cancro?
Toda a doença que é desmistificada, ou seja, que é falada, discutida, conversada é, obrigatoriamente, menos assustadora. Ao compreendemos melhor aquela realidade, sabemos que o que sentimos é comum, normal. Deixamos-nos de nos sentir à parte. É fundamental ter menos medo do cancro para o ultrapassar - o medo atrofia, esmaga, atrapalha. Se estivermos serenos é tudo mais fácil.
 
Dizem que os tratamentos de quimioterapia e radioterapia são desgastantes ao máximo. Como é que um doente oncológico nestas condições pode ou deve ter um sorriso no rosto?
É exatamente por ser difícil, desgastante, penoso que a alegria é bem vinda. Os tratamentos são difíceis mas se estivermos contrariados e revoltados é ainda mais complicado: o tempo passa  mais devagar, a dor emocional é maior. Se estivermos distraídos e aceitarmos aquilo pelo qual estamos a passar, obviamente que é menos custoso. 
 
Fernando Pessoa  disse que "o inferno e o paraíso estão dentro da mente humana". É mesmo assim?
Acho que ele queria dizer que tudo é uma escolha nossa, que está tudo na nossa mente. O maior inferno pode ser uma oportunidade, o paraíso pode ser o marasmo. Está tudo dentro de nós e por isso tudo é uma escolha. Concordo totalmente.
       
Como é que alguém com uma doença considerada terminal arranja força para ajudar os outros nas mesmas circunstâncias? 
As pessoas surpreendem-nos nos momentos mais duros. E às vezes, um doente que tem noção da efemeridade da vida, da velocidade do tempo, sabe aproveitá-lo muito mais que todos os outros que têm a ilusão que são imortais e, sendo, assim. acabam por inspirar quem está à sua volta.
 
Quando, em 2013, escreveu o primeiro Cancro com Humor pensou em ganhar prémios? A quem os dedica?
Nunca penso nos prémios, nas honras. Mas todas as minhas vitórias são sempre dedicadas aos meus pais - sem eles, nunca existiria Cancro com Humor. Apoiaram este projeto desde sempre, foram eles, aliás, que me convenceram a escrever o segundo livro.
 
Este livro deu-lhe aso a criar outros projetos. Quais e em que consiste cada um deles?
Não penso muito no futuro - agora estou em TOUR pelo país com o livro, continuo a dar palestras. Mas em janeiro, irei começar a trabalhar como cronista para uma revista mensal (ainda é surpresa) e o resto vai-se construindo diariamente mas sem grandes planos. Faço o que sinto na altura que me parece adequada.

Na sua perspectiva, quem sofre mais: o doente ou os seus cuidadores? Porquê?

São dois papéis diferentes mas, na minha própria experiência, sofri muito como cuidadora. Há uma impotência e um sentimento constante de querer estar na pele do outro. É mais difícil aceitar a doença de quem amamos, do que a nossa própria doença. Além disso, estamos, constantemente preocupados com o outro o que pode levar a desgaste brutal. De qualquer forma, também foi a ser cuidadora onde aprendi mais. Onde me superei.

Anda de Norte a Sul a falar de cancro. O que leva? qual a principal mensagem? Que feedback recebe? Quem, por norma, preenche as plateias?

A principal mensagem é que é possível falar de cancro com humor, sem complexos, sem ser em sussurro. Levo alegria e um discurso descomplexado, falo na primeira pessoa e sobre assuntos que sobreviventes e doentes oncológicos se identificam. O feedback tem sido muito bom e nas plateias tenho cuidadores, sobreviventes, médicos e pessoas que nunca foram afectadas diretamente pelo cancro mas que querem compreender e ouvir uma história que pode trazer algum tipo de estímulo. 

Quem é, afinal, Marine?

Sou uma miúda grata, absolutamente feliz com aquilo que tenho e, na maior parte das vezes, bem resolvida. Rio muito, choro muito, tenho oscilações de humor, adoro criar, produzir, escrever e rir. Sou sonhadora, acho sempre que tudo se acabará por compor e como demasiado.

O que faz nos tempos livres?

Namoro, passeio, faço jantaradas com os amigos, estou com a família. Tenho tempo para tempo para estar com as pessoas. 

Qual o sonho que comanda a sua vida?
 
Espero ter paz em todos os contextos e manter a minha serenidade mesmo nos momentos mais difíceis - esse é o meu maior sonho. 
 
Como se pode adquirir o livro?
Para adquirir o livro basta enviarem email para: cancrocomhumor@gmail. com e eu mesma o envio.
 

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