Hospital de Bonecas: há mais de um século a cuidar da vida dos brinquedos

O negócio apareceu em 1830. Desde essa altura, no número sete da Praça da Figueira, Lisboa, continua a dar-se apoio aos doentes que não falam, não comem, não andam e não são de carne e osso. Contudo, são muitas vezes uma das grandes companhias e os maiores amigos dos mais pequenos – as bonecas. Falamos do Hospital de Bonecas que, mais de um século depois continua a trabalhar em prol da “boa qualidade de vida” dos brinquedos.
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“Era uma vez uma senhora velhinha, que há muitos anos (ainda não havia automóveis) se sentava a fazer bonecas de trapo à porta da sua pequena loja de ervas secas. A loja ficava junto a um mercado e nesse tempo as crianças andavam sempre com os pais ou os avós e a ida ao mercado era tão divertida como agora ir ao Centro Comercial, ou talvez mais!

Havia patos, coelhos, galinhas, pombos, peixes de muitas cores, frutas e flores que, juntamente com grandes molhos de cenouras, rabanetes, e couves, criavam uma mistura única de sons e cheiros. As crianças não tinham medo de se perder. Toda a gente se conhecia e tinha nome. Lisboa parecia mais pequena.

Assim de vez em quando a manhã era passada junto à D. Carlota (era assim que se chamava) a espreitar as bonecas que ela ia fazendo. Depois conversando, sempre se ia contando os males das bonecas e ela, pouco a pouco, lá as ía consertando. Acho que foi assim que começou o Hospital de Bonecas!

Os anos passaram e o mercado acabou, mas as crianças de então, já mães e avós foram contando aos seus filhos que havia uma pequena loja onde o tempo passava um pouco mais devagar e onde sem pressas se podia brincar ao “faz de conta”. Ainda hoje é isso que fazemos”. É este o texto de apresentação dos do site Hospital de Bonecas, o espaço da capital portuguesa onde, ainda hoje, se cuidam dos seres inanimados que fazem as delicias dos mais novos nos momentos de brincadeira.

É ali que ainda hoje, a quinta geração da D. Carlota, continua a repor uma perna, um braço, os olhos ou a roupa. Estes são alguns dos “tratamentos” que cinco médicos e enfermeiros prestam diariamente no número sete da Praça da Figueira, Lisboa.

Em entrevista ao VerPortugal, a atual gestora do Hospital, Manuel Cutileiro, conta que “o espaço não é visto como um negócio. É um local de afetos, em que os funcionários têm uma missão para com os ‘doentes’. Se fosse visto como um negócio se calhar não existia”.

“Há quase três décadas que o Hospital é gerido por mim e se tudo correr bem já há descendente para dar continuidade ao trabalho iniciado há mais de um século” – refere Manuela Cutileiro dando nota de que não são só os portugueses que procuram aquele local para restaurar os brinquedos. “Estrangeiros também nos procuram quer pessoalmente quer pelo correio” – refere.

Naquele local, o trabalho não falta. “Não se pode contabilizar o tempo que se demora a tratar um doente porque são trabalhos muito minuciosos que levam, por vezes, dias. De uma coisa podemos ter orgulho: nunca recuperamos nenhum brinquedo sem primeiro dar orçamento” – acrescenta Manuela Cutileiro. Mas na esmagadora maioria os “familiares” pedem para tratar dos seus doentes “com muito carinho e dedicação”.

Em 30 anos de trabalho, Manuela Cutileiro já recuperou inúmeras bonecas. E por vezes aparecem situações muito engraçadas. “A mais engraçada foi quando nos pediram para ver o que se passava com o interior da boneca. Pois…tinha guardado um ratinho. Tivemos que montar caça ao rato para devolver, à criança, o seu brinquedo preferido” – conta ao VerPortugal.

Bom, mas no Hospital de Bonecas faz-se muito mais do que tratar das maleitas desses seres que só estabelecem diálogo com o humano através da imaginação deste. No espaço as vitrinas estão cheias de pequenas peças de decoração de interiores. São casas em miniatura, mobília, talheres, cortinados e todos os utensílios necessários para habitar um lar, ainda que em ponto pequeno, e que se podem adquirir no Hospital de Bonecas.
“Vendemos os kits das casas que as pessoas podem depois montar em nos seus lares. Estes são, também, brinquedos de família”- diz Manuela em entrevista ao VerPortugal.

Para além disso, ao Hospital vão muitas vezes crianças em visitas de estudo escolares. Vão ver não só o que lá se vende mas também a parte de recuperação de bonecas e de imagens, porcelanas e até de peluches. Sim porque – diz Manuela Cutileiro – o espaço tem de ser rentabilizado e para isso decidimos também recuperar peças de porcelana, peluches e outras imagens. “Estes restauros são feitos por profissionais da área. Alguns dos quais até lecionam na área do restauro” – conclui a gestora que coloca de parte a possibilidade de criar espaços idênticos noutros países ou até mesmo em outros locais de Portugal.

 

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