Docente da ESTeSC lança novas pistas sobre a compreensão da linguagem

Foi apresentado, em livro, na Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Coimbra (ESTeSC), o estudo da investigadora Carla Matos Silva sobre a compreensão da fala, por via auditiva, de palavras e de frases e a forma como o cérebro faz o processamento linguístico em situações de congruência e incongruência semântica. A docente da ESTeSC considera que este estudo pode ser uma mais-valia na prática clínica tanto nas Perturbações do Processamento Auditivo Central como na reabilitação auditiva, ao introduzir indicadores de processamento semântico que não são habitualmente utilizados.
:
  

A docente da Escola Superior de Tecnologia de Saúde de Coimbra (ESTeSC) Carla Matos Silva realizou uma investigação com o objetivo de avaliar capacidades de processamento linguístico auditivo, com foco nas propriedades léxico-semânticas das palavras e nas propriedades semânticas da frase, manipulando-se condições de congruência e incongruência semântica.

Segundo a investigadora, o estudo do processamento da linguagem pode considerar desde as unidades linguísticas mais elementares, os simples fonemas, até à frase, como unidade mais ou menos complexa. O presente estudo centra-se na compreensão da fala por via auditiva de palavras e de frases.

Nesta linha de investigação é comum usar, em simultâneo com os registos comportamentais, indicadores da atividade do Sistema Nervoso Central como os Potenciais Evocados Relacionados Eventos (Event Related Potentials, ERPs), que têm sido relacionados com aspetos específicos dos processos envolvidos na compreensão da linguagem. Este estudo concentra-se num particular efeito ERP, denominado N400, sensível ao processamento semântico.
A investigação avaliou o processamento linguístico, em três situações distintas, comparando condições de congruência com condições de incongruência semântica, denominadas fases experimentais. Para cada uma das fases, incluiu um estudo com indicadores comportamentais e um estudo com indicadores eletrofisiológicos (ERPs), numa população saudável e ainda em casos de Perturbações do Processamento Auditivo Central (PPAC), que se manifestam por uma perda auditiva funcional caracterizada pela incapacidade de realizar uma ou mais aptidões do processamento auditivo.

Em cada estudo comportamental participaram 34 jovens e mais um grupo de três que apresentavam diagnóstico de PPAC; em cada estudo eletrofisiológico participaram 21 indivíduos, sendo que três possuíam PPAC. Nesta investigação foram recolhidos dados comportamentais onde se analisaram o Tempo de Reação e a precisão da resposta, e dados eletrofisiológicos, cuja análise incidiu na amplitude e latência da forma da onda dos ERPs.

Os resultados alcançados mostram que o cérebro processa e interpreta a incongruência semântica e que os indivíduos com PPAC registam estratégias de processamento de informação linguística distintas relativamente aos sujeitos saudáveis.

Segundo Carla Matos Silva, este estudo é exploratório e não permite generalizar os resultados, uma vez que o número de elementos da amostra com PPAC é reduzido. "No entanto, estes resultados são interessantes pois sugerem que a análise semântica dos estímulos linguísticos usa processos mais baseados na memória e nos mecanismos da atenção, o que estaria relacionado com a resposta indexada pela maior amplitude positiva do ERP e menor tempo de reação comportamental para a condição de incongruência”, explica. "Têm o mérito de serem uma abordagem original e com uma aplicabilidade clínica promissora, pois é na compreensão da linguagem que recaem a maior parte das queixas dos indivíduos com PPAC”, acrescenta.

Para a investigadora, este estudo é inovador na medida em que não existem estudos sobre este indicador do processamento semântico em indivíduos com PPAC. “Tanto quanto sabemos este é o primeiro estudo sobre o processamento semântico em indivíduos com PPAC e é também o primeiro estudo em português europeu em que a relação do verbo face ao seu complemento é controlada nas condições experimentais de congruência e incongruência semântica”.

A investigadora afirma que o estudo lança novas pistas para a reabilitação de problemas auditivos. "É importante saber se a informação passa, se o cérebro está a fazer o processamento linguístico. Esta pode ser uma boa ferramenta no âmbito da reabilitação auditiva, e que atualmente não está a ser utilizada na prática clínica”, podendo ser aplicado em populações saudáveis e em indivíduos que estejam a cumprir planos de reabilitação auditiva.

Carla Matos Silva considera também que este estudo abre uma nova linha de investigação com potencial aplicabilidade na prática clínica, referindo que é importante realizar novos estudos envolvendo um número maior de indivíduos com PPAC, bem como perceber os efeitos do treino auditivo no processamento da linguagem. O estudo do processamento semântico poderá ser também aplicado a populações com dislexia ou ainda em surdos profundos que usem a Língua Gestual Portuguesa. Finalmente, a pesquisa realizada nesta investigação "permitiu uma consciencialização do muito trabalho que temos a fazer neste domínio, em Portugal”, e que essa investigação deve ser feita de forma multidisciplinar, abarcando diferentes ciências: Psicologia Cognitiva, Psicofisiologia, Psicolinguística, Audiologia, entre outras, conclui.

Mais nesta secção

Mais Lidas