Portuguese Jewellery Shapers: os rostos e as histórias de quem faz as nossas joias

A AORP – Associação de Ourivesaria e Relojoaria de Portugal lança novo projeto para valorização da arte e dos artesãos da joalharia portuguesa. A iniciativa foi apresentada hoje, na Ourindústria, evento que decorre até dia 2 de abril, no Pavilhão Multiusos de Gondomar.
: F.A.Joalheiros
F.A.Joalheiros  

Com uma história secular, a joalharia portuguesa é uma herança de arte e talento, passada de geração em geração. Para homenagear os artesãos portugueses, a AORP – Associação de Ourivesaria e Relojoaria de Portugal acaba de lançar um novo projeto em que dá a conhecer os rostos e as histórias por detrás das jóias portuguesas.

Mestres do ofício, os ourives portugueses continuam a preservar as técnicas artesanais e as ferramentas tradicionais. Mas nem só de passado se escreve a joalharia portuguesa. Nas oficinas fundem-se os conhecimentos de outrora com novos conceitos de design e novas tecnologias. Nas escolas, transfere-se o conhecimento e a arte, para passar o legado e rejuvenescer a tradição.

A iniciativa Portuguese Jewellery Shapers apresenta as histórias de sete artesãos portugueses, que, preservando a tradição, moldam o futuro da joalharia portuguesa. Do jovem José Elói, formado no CINDOR e que dá agora os primeiros passos na ourivesaria ao mestre Serafim Ferreira de Sousa que dedicou toda a sua vida à arte, são estes os retratos de um setor em renovação e crescimento.

Para Ana Freitas, presidente da AORP, "esta é uma homenagem, mas também um manifesto de sensibilização para o valor intrínseco de cada joia portuguesa. Numa época em que se vive a pressão do mercado de consumo, queremos valorizar o trabalho dos nossos artesãos, a paixão com que moldam os metais, a minúcia com que executam cada técnica, a atenção que dedicam a cada detalhe. É isto que torna cada joia portuguesa única e autêntica”.

“Who made your jewels” (“Quem fez as suas joias”) é o mote da iniciativa apresentada hoje na Ourindústria, uma verdadeira montra da arte e do talento da joalharia portuguesa, a decorrer até dia 2 de abril, no Pavilhão Multiusos de Gondomar. 

E, então, quem faz as nossas joias? Vamos conhecê-los!

F. A. JOALHEIROS, LDA.

Manuel Ferreira e Joaquim Almeida conheceram-se há 30 anos no Curso de Ourivesaria do Cindor. Foram os melhores alunos da turma e sentiram desde logo uma sintonia que tornou lógica a decisão de se aliarem no negócio. Para além da amizade, une-os a mesma visão: concretizar a perfeição em forma de joias.

Foram crescendo, instigados pelo sonho e pela perseverança, até que em 1998 criaram a sua própria marca, a F.A. Joalheiros. Aliam à mestria da execução, a criatividade do desenho, desenvolvendo coleções próprias. Ao longo do tempo, foram-se moldando às tendências do mercado, adotando novos materiais e encontrando novas abordagens, mas sempre mantendo a originalidade e qualidade de execução, que distinguem as suas peças.

A produção foi-se tornando mais robusta, crescendo ao ritmo do negócio. A sabedoria foi-se adensando pela experiência dos seus artesãos, cujo percurso se confunde com o da empresa. António Oliveira e Fernando Monteiro estão desde a fundação e tornaram-se os seus alicerces. Aqui aprenderam a técnica e aperfeiçoaram-na. Serafim é o mais novo elemento. Aos 51 anos encontrou na ourivesaria uma nova vocação.

As coleções da F.A. Joalheiros são marcadas pelo brilho e sofisticação das pedras, que dotam as suas joias de singular beleza e elegância. A matéria-prima é o ouro, que trabalham com mestria, em acabamentos originais e detalhados que acentuam a originalidade das peças.

SERAFIM FERREIRA DE SOUSA & FILHO, LDA.

Nas mãos de Serafim Ferreira de Sousa, enrugadas pelos anos e pela técnica, lêem-se 82 anos de uma vida dedicada à ourivesa- ria. Iniciou-se na arte aos 12 anos, ainda andava na escola. O seu colega de carteira tinha uma oficina e nas horas vagas aprendiam o ofício. Quando deixou a escola, abriu a sua própria oficina, contam-se já mais de 50 anos. Hoje em dia, partilha-a com o filho, Amândio Sousa, herdeiro da sua sabedoria e talento.

Serafim ainda se senta à banca todos os dias e trabalha o ouro com mestria e delicadeza, como sempre fez. Com as mesmas ferramentas, apenas mais desgastadas pelo tempo, e as mesmas técnicas artesanais, algumas já descontinuadas na profissão.

Trata as peças com um carinho paternal, cravando em cada joia as memórias e os valores que distinguem a sua arte. Preserva a tradição do ouro português: as joias de família, desde os brincos de criança aos anéis de noivado, que simbolizam sentimentos e eternizam os momentos especiais.

Amândio, o filho, seguiu as suas pisadas. Cresceu na oficina, a brincar com as ferramentas do pai. Sentava-se ao seu lado a fazer os deveres da escola e observava atenciosamente a forma meticulosa como o seu mentor trabalhava. A arte é mais do que uma herança genética, foi-lhe ensinada todos os dias, como uma passagem de testemunho que perpetua o legado.

JORGE FERNANDO FERREIRA DA SILVA

Na árvore genealógica de Jorge Fernando Ferreira da Silva, os ramos são feitos de ouro. Uma família dedicada à arte da ourivesaria, um saber que atravessa gerações e se torna imune à passagem do tempo.

O seu avô foi um dos grandes mestres das bolsas de senhora em prata. Tecidas numa fina malha de prata, eram o acessório de eleição na época. O seu pai, José Moreira da Silva, continuou o legado. Com 83 anos, deixou a arte há cerca de dois anos, mas não se afasta da oficina. É como uma casa, onde cresceu, se fez homem e artesão, onde foi pai e mentor. Com um sorriso rasgado que lhe acentua as rugas, defende, em jeito de profecia, que a "ourivesaria nunca irá acabar, enquanto houver mulheres”.

Quando Jorge Fernando assumiu a liderança da banca, já este nobre acessório estava a cair em desuso e a necessidade agu- çou-lhe o engenho. Iniciou-se na criação de joias, primeiro em ouro e mais recentemente em prata. As suas coleções são muito femininas e elegantes, talvez por herança dos delicados acessóios que sempre viu fazer.

O ambiente na oficina mantém-se muito familiar, porque partilham já um longo percurso comum. Cláudio, o mais antigo colaborador da casa, trabalha há 25 anos na empresa, Manuel Fonseca há 14 e José Manuel há seis. José Elói é o caçula, mas já conquistou a confiança dos mestres. Elogiam-lhe o talento, o empenho e a vontade de aprender.

SILVINA GAMA - AMAG

A AMAG nasceu de uma história de amor. Entre Silvina e Paulo Gama e de ambos com a ourivesaria. E essa paixão funde-se com o metal, que dá origem às suas joias. A marca tem cinco anos, mas a narrativa escreve-se há 18, ano em que Paulo se iniciou como ourives por conta própria. Ditou o destino que a primeira peça tenha ficado pronta no dia do nascimento do primeiro filho, prenúncio de que este era um compromisso para toda a vida.

Paulo é o autor das joias. Não segue um guião, as peças vão-se moldando pelos dedos, ganhando forma e textura até chegar à conceção final. E é isso que mais o apaixona na ourivesaria. A criação, impulsionada pela arte. Porque Paulo gosta de pensar com as mãos, estabelecer um diálogo com as peças, em que o processo desperta novas ideias e desvenda novos caminhos.

Silvina gere a relação com clientes e as burocracias do negócio. Também participa no processo de criação, contribuindo com a sua sensibilidade feminina. É a musa de inspiração do marido e revê-se nas peças que cria. Joias com personalidade, que se assumem mais do que meros acessórios, porque partilha dessa força de carácter.

A cumplicidade e sintonia entre os dois confere uma assinatura vincada à marca. Estão atentos ao mercado, mas não se entre- gam à ditadura das tendências, mantendo uma estética intemporal, que acentua o carácter diferenciador da marca. Dotam as peças de detalhes minuciosos, conjugando a prata e o ouro, num dueto sofisticado e elegante.

FERNANDO MARTINS PEREIRA E C.a, LDA

A Fernando Martins Pereira é uma das mais antigas oficinas de ourivesaria do país. Foi fundada por José Martins Pereira, em 1914, ano em que na Europa desencadeava a primeira Grande Guerra. Nos anos 70, a empresa passa para as mãos dos filhos do fundador, Fernando, Mário e David.

É nessa altura que se dá também um momento de viragem na historia da empresa. Adquirem, a uma oficina em falência, uma coleção exclusiva de mais de 1400 cunhos, que remontam ao final do séc. XVIII, inícios do séc. XIX. Para além do extraordinário acervo de formas de estilo barroco, detalhadas e românticas, os cunhos permitem criar peças exuberantes com interior oco, tornando-as mais leves e acessíveis.

A década de 70 foi de enorme prosperidade. Com uma ambição inusitada para a época, a Fernando Martins Pereira alia-se a oito empresas do setor para, em conjunto, se apresentarem aos mercados internacionais. Foram os pioneiros da exportação e essa bravura trouxe recompensa, não só financeira, como de aprendizagem. A elevada exigência dos mercados, sobretudo os nórdicos, obrigou a afinar a técnica e roçar a perfeição.

Hoje em dia, o negócio é gerido por David Garrido, juntamente com os seus sobrinhos Rosário e Pedro Manuel Castro Pereira. Entrar na oficina de Fernando Martins Pereira é revisitar a história da ourivesaria portuguesa. Não é de estranhar que, por exemplo, o realizador português Perdigão Quiroga a tenha eleito como o cenário de um documentário sobre os ourives portugueses. O seu catálogo é uma verdadeira antologia de milhares de modelos, criados ao longo do tempo e que se mantêm atuais até aos dias de hoje.

JOICASTROS - OURIVES E JOALHEIROS, LDA

A Joicastros é um projeto de dois irmãos, em que, como é típico das relações fraternas, os opostos se complementam. O velho princípio do Yin Yang, em que as forças inversas encontram na união a energia da criação.

José António representa o lado racional do negócio. Foi dele a iniciativa de criar a empresa, em 1982, e de convidar o seu irmão para fazer parte do projeto. É a ele que compete a gestão da empresa e a relação com fornecedores e clientes. Liberta o irmão da burocracia hostil à criação, ao mesmo tempo que lhe incute as regras de um mercado em permanente evolução.

Mário representa o lado artístico. O processo criativo desafia-o. A procura pela forma perfeita, o desenvolvimento de novas texturas, o domínio do metal. A quimera da arte inspira-o a uma constante aprendizagem e evolução, que alia a um instinto natural para a criação.

Na altura de desenvolver novas peças, Mário e José António confrontam o sonho com realismo, até se encontrarem no equilíbrio perfeito.

Além de José António e Mário trabalham mais três artesãos na oficina. José António afirma orgulhoso que o segredo da empresa está na qualidade da mão de obra. E por isso, para além das coleções próprias, a Joicastros empresta a sua arte a outras marcas. O desafio não está apenas na materialização da peça, mas em encontrar a técnica perfeita para o fazer. São exímios nessa tarefa e isso mereceu-lhes a confianÇa de marcas nacionais e internacionais.

CONCEIÇÃO NEVES

Filha de uma prendada "enchedeira”, como são conhecidas as artesãs de filigrana, Conceição costuma dizer que já fazia filigrana quando estava na barriga da mãe. Desde pequena sentiu o apelo pela arte, mas a sua mãe não aprovava a vocação. Nascida numa família humilde de nove irmãos, dedicou-se à filigrana por obrigação e sonhava outro destino para a filha.

No entanto, o destino de Conceição estava traçado em finos fios de ouro. Com a rebeldia própria da idade, aprendeu sozinha a técnica, observando a mãe e aproveitando as suas pausas para treinar o ofício. Manteve a filigrana como hobby, enquanto seguia, por vontade da mãe, outra profissão, até que em 2005 se inscreve no Curso de Filigrana do Cindor, decisão que mudaria o rumo da sua vida.

Depois de sete anos numa conceituada empresa nacional, Conceição sentiu que precisava de liberdade e independência para se dedicar à arte. E por isso, em janeiro de 2015, inicia-se por conta própria e convida a sua mãe e mentora para juntas concretizarem, mais do que um sonho, aquilo que Conceição considera ser a sua missão.

Na sua oficina, verdadeiro laboratório da arte, dá forma a coleções próprias, mas também de outras marcas, que nela confiam a minuciosa tarefa. Respeitando a tradição, renova a técnica com desenhos contemporâneos e aplicações criativas, conjugando
a filigrana com outros materiais, como pedras preciosas e semipreciosas e pérolas. Quando Christian Louboutin a convidou para desenvolver uma peça de adorno para uma coleção especial, Conceição Neves sentiu o reconhecimento de uma missão que se cumpre todos os dias.




 






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