Paulo Tuna: “não tenho moldes, as facas estão todas na minha cabeça”

Um empreendedor. Um verdadeiro artista. É desta forma que classificamos Paulo Tuna, o "forjador de lâminas" que deixou tudo para se dedicar à criação de facas. E sucesso tem marcado a sua vida. De tal forma que já criou facas para diversos chefs. Uma das facas foi parar às mãos de Leonardo Pereira, o profissional da cozinha que exerceu atividade no Noma, um dos melhores restaurantes do mundo. Em conversa com o VerPortugal o "the bladesmith” fala, ao pormenor, da sua atividade.
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É conhecido como o "the bladesmith”. Como lida com esta alcunha?

Bom. The bladesmith significa "o forjador de lâminas”. Ou seja, um pouco de  cutileiro e ferreiro. E como não me enquadrava em nenhum dos dois foi esse termo que eu considerei ter sentido para a minha atividade, por ficar bem. Pode parecer estrangeirismo mas quer em Portugal quer lá fora  bladesmith é usado para o artesão que trabalha todo o tipo de lâminas.

Porque é que largou tudo para se dedicar à criação de facas? E já agora o que é tudo?

Larguei... Durante 15 anos trabalhei na Escola Superior de Design de Caldas da Rainha. Quando entraram em funcionamento as novas oficinas foi convidado para o Departamento de Escultura em Pedra e Oficina de Metais. Aí tinha um emprego de técnico e lecionava. Apesar de gostar muito da escola não estava completamente realizado. Não deixava de fazer esculturas, de desenhar e participar em exposições. Mas...era preciso mais e fazer facas foi o caminho que começou a fazer sentido seguir.. Por isso, arrisquei. E em 2012, o negócio começou com a encomenda que tive para o restaurante Noma, considerado um dos melhores do mundo, aos poucos as encomendas foram crescendo. Larguei o emprego fixo que para os mais idosos terá sido uma asneira. Para mim, foi o início de um projeto que quero levar bem longe.

Nunca sai de casa sem um canivete. Porquê? Foi algo incutido pelo seu avô quando aos sete anos lhe ofereceu o canivete de plástico que lhe saiu numa rifa?

(Gargalhadas). Já gostava antes dos sete anos. Fui criado numa pequena aldeia perto de Vila Real. Chama-se Mascozelo e era lá que me sentia bem. E quando se saia de casa para guardar os animais ou cultivar os campos levava-se sempre a merenda. E o que não podia faltar no saco? Um canivete! O meu primeiro canivete ganhei-o, de fato, com sete anos. Depois da morte do meu pai, quando eu tinha dois anos, a figura paterna passou a ser o meu avô que acompanhava sempre que podia. Mesmo agora ando sempre com um. Dá imenso jeito.

Porque é que decidiu seguir o curso de escultura? Porque passou a dedicar-se à cutilaria?

Por gostar de criar coisas. Sempre gostei de desenhar e de construir o que desenhava. Gostaria de ter levado a bom termo a carreira de Artista Plástico mas as facas foram aparecendo gradualmente até que se tornaram no trabalho principal.

Que missão/função tinha de desempenhar na oficina da universidade?

Na Escola era Técnico da Oficina de Metais. Ajudava professores e alunos a levar os projetos a bom termo. Comecei como aluno onde ainda apanhei o ensino académico de escultura, passei a ser assistente de escultores e depois como escultor. Participei em alguns simpósios internacionais de escultura. Fora de Portugal deixei algumas peças, nomeadamente na China, Turquia e Brasil. Depois com a entrada na escola foi convidado para ficar nas oficinas e  comecei a trabalhar com metais e a fazer exposições. O que mais fazia era implementar peças de aço em espaços, uma espécie de “grafites escultórios”. Cheguei a trabalhar numa serralharia onde tinha uma grande forja para poder fazer algumas dessas peças.

Para quem criou a primeira faca? Foi construída totalmente por si? 

Não foi uma faca. Foram duas. Foi para uma cervejaria das Caldas da Rainha. O pedido foi feito pelo marido da então vereadora da cultura. O sr. Pereira como era conhecido. Uma delas era uma espécie de punhal. A outra era uma faca. Para as fazer, do princípio ao fim, visitei algumas fábricas da área. Aliás, foi numa das fábricas que fiz o punhal. Para poder criar a forma correta. Tinha de ser assim, no início,pois ainda me faltava equipamento e experiência. À medida que o tempo foi passando, as coisas foram mudando e aos poucos, à medida que ia conseguindo juntar dinheiro, fui comprando os próprios utensílios.

Costuma dizer-se que uma faca é uma faca. Mas o design é importante. É o Paulo quem as desenha?

Claro que é importante. O design é muito importante. Para ser uma boa faca tem de ser ergonómica , equilibrada (ser quase que um prolongamento do braço), possuir excelente poder de corte e retenção do mesmo. Eu tenho muito cuidado para que em cada uma das minhas facas estas caraterísticas estejam presentes. Por isso, só trabalho com aços  de topo . O afiamento e a estética também são muito importantes.

Fazer uma faca para um chefe de um dos melhores restaurantes do mundo foi uma honra?

Para o Noma fiz uma data de facas mas foi graças à primeira encomenda que me foi feita pelo chefe Leonardo Pereira. Foi uma surpresa  porque quando surgiu este projecto de me dedicar a fazer facas  ainda estava numa fase muito embrionária. Tive muito trabalho mas o Leonardo recebeu a sua faca. Mas claro que não posso deixar de referir a extraordinária ajuda  que  tenho tido de Carlos Norte, um dos melhores cutileiros de Portugal. Foi, aliás na fábrica do seu pai que ganhei o “know-how” necessário. Por isso, a faca feita para o Noma foi cunhada com um N.T.- Norte e Tuna. Ainda hoje, volvidos estes anos todos, trabalho em parceria com Carlos Norte. É ele quem me fornece  parte da matéria–prima de que preciso para as minhas criações e com ele que ocasionalmente costumo levar a cabo alguns workshops de cutelaria.

Consegue produzir em série ou cada uma é diferente da outra?

Para que as facas sejam todas iguais é necessário industrializar a produção. Aquilo que faço ainda é bastante artesanal porque os acabamentos são manuais. Aliás eu não tenho sequer moldes das facas que faço. Posso bem dizer que tenho todas as facas na cabeça e gosto de fazer peças diferentes.

Teve de fazer um investimento elevado para abrir a oficina? E funcionários já tem?

Fui fazendo o investimento pouco a pouco. A esmagadora maioria do equipamento que tenho para produzir as facas é em segunda mão. Aproveito muitos recursos e faço trocas e fabrico o que posso ..Tudo o que tenho ainda é  elementar.. As pessoas neste ramo são camaradas e  sempre  se arranja uma madeira necessária para os cabos e um pouco de aço para a lâmina. Viver num meio pequeno ajuda muito a minha atividade, o capital humano é mais próximo. Tem sido assim que tenho trabalhado. Mas para colocar tudo como deve ser na minha oficina requer mais investimento. Neste momento é impensável "colocar a corda ao pescoço” por ter outras obrigações. Contudo,  que tenho de “crescer” um pouco mais , contratar alguém ou ter equipamentos mais sofisticados para poder rentabilizar o tempo.

Como é que lhe podem comprar facas?

Bem. O site está para breve mas por enquanto a divulgação da minha atividade é feita “de boca em boca”, via Facebook e Instagram. Por isso, o melhor é que quem pretender uma das minhas criações me contacte por telefone ou email

As suas lâminas já foram cortar para outros países? Quais?

Já. As minhas facas já voaram para Itália, Espanha, Inglaterra, Holanda, África, Macau. Mas o mercado nacional é aquele que consome mais aquilo que eu produzo.

Disse a outro órgão de Comunicação Social que o mais bonito do seu trabalho é nunca parar de aprender e de evoluir. Como assim?

Para se vencer há que ter humildade suficiente e aprender sempre com os outros. E ainda tenho muito para aprender, já que é uma profissão que quando levada aos limites requer muito conhecimento e experiência, gostaria me tornar um verdadeiro mestre .. mas para isso tenho ter tempo para me dedicar mais à pesquisa e a fazer peças mais demoradas.

Que feedback recebe de quem usa as suas facas?

Até ao momento, o feedback que tenho tido é muito bom. É excelente! Por causa da qualidade. Claro que às vezes acontecem percalços. E nesses casos tenho de corrigir as falhas. De uma coisa os meus clientes podem ter a certeza: as minhas facas têm sempre garantia. Pelo menos enquanto eu viver!

Vai ser sempre a construir facas ou tem em mente alargar o negócio e criar outros produtos bem como dedicar-se novamente à escultura?

Gostava de criar um canivete de cavalheiro. Mas não se pode esquecer que esta é mais uma peça de joalharia. Eu tenho uma pequena coleção e noto que lá falta um – o de cavalheiro. Por isso, quero construí-lo. Mas quando isso acontecer a produção será semi-industrial. Este é um dos projectos e sim tenciono um dia regressar à Escultura.

 

 

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