Investigadora do ESTeSC publica estudo de avaliação da qualidade do ar em escolas

Uma investigação de Ana Ferreira, professora da Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Coimbra (ESTeSC), revela a presença de concentrações de CO2, compostos orgânicos voláteis (COVs), formaldeído (CH2O) e de partículas em salas de aula em Coimbra que excedem os limites máximos permitidos por lei, pondo em causa a saúde, o conforto e o processo de aprendizagem das crianças e podendo aumentar a ocorrência de doenças respiratórias, alérgicas, cardiovasculares e cancro. O estudo feito à qualidade do ar interior em 51 escolas do primeiro Ciclo do Ensino Básico no concelho de Coimbra envolveu um milhar de alunos.
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Os resultados são apresentados na tese de doutoramento em Ciências da Saúde, Ramo de Ciências Biomédicas, apresentada à Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra em 2015, intitulada “Qualidade do Ar Interior em Escolas e Saúde das Crianças”, e são agora publicados em livro, com lançamento amanhã, dia 4, às 16h00, na ESTeSC. Trata-se do sexto volume da Coleção "Ciência, Saúde e Inovação | Teses de Doutoramento".

Segundo Ana Ferreira, que é também vice-presidente da ESTeSC, o estudo avaliou as concentrações de partículas, de monóxido de carbono, dióxido de carbono, ozono, compostos orgânicos voláteis, entre outros, assim como a temperatura e humidade relativa, com o objetivo de caraterizar a qualidade do ar interior das salas de aula das escolas do primeiro Ciclo do Ensino Básico do concelho de Coimbra, bem como a qualidade do ar ambiente. Pretendeu-se ainda estimar o estado atual de saúde dos estudantes e propor medidas mitigadoras para os resultados encontrados.

A avaliação foi feita no período de outono/inverno e de primavera/verão, em escolas pertencentes a todas as freguesias do concelho de Coimbra, classificadas de freguesias mediamente e predominantemente urbanas e freguesias predominantemente rurais. A capacidade respiratória das crianças do primeiro ao quarto ano dessas escolas foi também alvo de avaliação, e os pais e encarregados de educação foram questionados sobre os sinais, sintomas e patologias dos seus educandos.

Segundo a investigadora, o estudo verificou que "várias escolas apresentaram má Qualidade de Ar Interior - QAI. Vários parâmetros ambientais ultrapassaram o legislado: CO2, PM2,5, PM10, COVs, CH2O. A Temperatura e a humidade relativa nas salas de aula também revelaram resultados preocupantes para o conforto das crianças. A concentração de poluentes foi superior nas salas de aula, face às concentrações verificadas no exterior. As escolas, na sua maioria, há muito não são objeto de reabilitação, possuindo muitos anos de existência. Apresentam deficiências nos seus aspetos construtivos, falta de sistema de climatização e falta de ventilação mecânica ou mista. A forma como a limpeza dos espaços era feita, o número de ocupantes, as atividades desenvolvidas e o armazenamento de papel, materiais e equipamentos nas salas de aula, a utilização de fogões ou salamandras, a utilização de quadro de lousa e giz e a falta de ventilação mecânica, contribuíram para os resultados obtidos.

"Em resultado desta situação, especialmente no outono/inverno, foram medidos teores especialmente elevados de CO2 e de partículas (PM10 e PM2,5), revelando claramente deficiências da qualidade do ar interior devido à insuficiente ventilação e renovação do ar”, refere a professora.

O estudo revelou uma ligação entre alguns parâmetros ambientais analisados e "sinais, sintomas e patologias, bem como alterações na função respiratória nos estudantes”, explica a professora, que realça "a implementação de mecanismos para a melhoria da qualidade do ar nas escolas” como "uma medida importante para a prevenção de consequências adversas à saúde das crianças”.

A professora alerta que "Portugal foi pioneiro na definição de regras para garantir uma boa qualidade do ar dentro dos edifícios”, no entanto, com a revisão da legislação (há dois anos), na prática eliminou-se a obrigação de certificar e auditar periodicamente os edifícios, deixando de garantir que quem neles trabalha ou estuda respire um ar saudável. É preciso intensificar esforços no desenvolvimento de estratégias eficazes no âmbito da saúde pública e da saúde ambiental, contribuindo para a elaboração de politicas voltadas para a qualidade do ar.

E acrescenta que "é fundamental que as escolas procedam a melhorias estruturais e funcionais, que realizem monitorizações contínuas, de forma a não exporem as crianças a situações de risco. Devem melhorar os sistemas de renovação do ar. Deverá existir uma preocupação com uma adequada exposição solar, por forma a evitar o aparecimento de humidade (que favorece o aparecimento de bactérias e fungos). Para além destas preocupações, tem que se modificar e alterar comportamentos por parte dos ocupantes dos edifícios, realizando o simples hábito de abrir frequentemente as janelas”.

Doenças respiratórias estão a aumentar em Portugal

Para Ana Ferreira, os resultados encontrados reforçam o interesse em estudar a relação entre ambiente e saúde, nomeadamente a relação entre os poluentes do ar interior e o impacte na saúde das crianças. "Efetivamente um risco acrescido de ocorrência de problemas ambientais poderão conduzir a um aumento da incidência de várias doenças”, explica.

A professora frisa que, numa sociedade em que as pessoas passam cerca de 80 a 90 por cento do seu tempo dentro de edifícios, a qualidade do ar interior é "um dos principais riscos ambientais para a saúde pública”, e que, na Europa, "a poluição atmosférica tem um grande impacte na saúde dos cidadãos, sobretudo nas crianças enquanto grupo particularmente vulnerável”.

Em Portugal, o relatório do Observatório Nacional das doenças respiratórias (ONDR) de 2014 revela que, nas últimas duas décadas, a saúde respiratória dos portugueses se está a deteriorar com agravamentos na ordem dos 30 por cento na mortalidade e nos internamentos.

Dados da Direção-Geral de Saúde (DGS), do relatório de 2015 relativo a doenças respiratórias, indicam que existe um aumento crescente das doenças respiratórias crónicas, e que estas constituem a quinta principal causa de internamento e a primeira causa de mortalidade intra- hospitalar. O relatório refere também que o registo de utentes inscritos ativos com o diagnóstico de asma e DPOC (Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica) tem vindo a aumentar consistentemente desde 2011. Em Portugal a percentagem de óbitos por causa respiratória tem vindo a aumentar desde a década de 90, ocupando a terceira posição, a seguir às doenças cardiovasculares e às neoplasias. Este relatório refere várias recomendações: a promoção do controlo de fatores de risco para as doenças respiratórias, designadamente os poluentes do ar exterior e interior; o aumento da acessibilidade à Espirometria (diagnóstico precoce da DPOC); a promoção e monitorização do grau de adesão às normas de orientação clínica para a asma e DPOC, por forma a reduzir os internamentos.

"Estes números pouco animadores indicam claramente que estamos a falhar na prevenção da doença e promoção da saúde, bem como na educação para a saúde e na implementação de politicas de saúde ambiental”, lamenta a investigadora.

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