Os Dias Realistas e a “condição de sermos finitos com a ânsia de sermos infinitos”

Na comédia negra “Os Dias Realistas”, João Reis (Tó), Manuela Couto (Margarida), Paulo Pires (João) e Catarina Furtado (Bambi) são os Dias, dois casais que de igual não têm apenas o apelido. A estreia aconteceu ontem no Auditório dos Oceanos do Casino de Lisboa e, a 29 de março, a peça chegará ao Teatro Sá da Bandeira, no Porto.
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Logo na primeira cena, o espetador fica a conhecer Tó e Margarida, ele taciturno e ela, tentando conversar com o marido, escolhe a pintura da casa como tema enquanto ambos olham as estrelas.

Eis que surge João e Bambi, o novo casal vizinho que, invadindo-lhes o quintal, traz uma garrafa de vinho para brindar à recente amizade. A conversa de circunstância vai-se sucedendo e, apesar das visíveis diferenças, os dois casais vão percebendo que também têm muita coisa em comum.

Com texto original de Will Eno e tradução de Jacinto Lucas Pires, o encenador Marcos Barbosa defende que a peça, por abordar temas muito atuais, vai permitir que "todas as pessoas se consigam identificar com as personagens e refletir sobre os problemas do dia-a-dia”, e diz que "há dois grandes temas que são explorados: a força das relações e a força do desconhecido, o que não controlamos e nos toca a todos e que aqui surge em forma de doença, mas é o mistério da vida”.

João Reis foi o primeiro a ser abordado por Marcos Barbosa e confessa que teve alguma relutância inicial em aceitar o papel porque "como sabia que a Catarina também ia participar no espetáculo a primeira preocupação foi conciliar agendas” e, mesmo ultrapassada esta questão, quando leu o texto pela primeira vez, "fiquei um bocadinho assustado porque é um registo e um tom um pouco difícil de encontrar para este espetáculo porque é um género de texto que eu não faço habitualmente e demorei ainda algum tempo a tomar uma decisão”.

"Mas ainda bem que disse sim porque, de fato, não só o ambiente entre nós é extraordinário como o texto se revelou como sendo muito poderoso, engraçado e interessante. Nunca tinha trabalhado com nenhum deles em teatro e são pessoas muito generosas e muito disponíveis que é aquilo que se quer e que se deseja quando se está a fazer teatro porque estamos muito tempo juntos a trabalhar sobre um texto que, neste caso, eu acho que é particularmente difícil, mas como sentimos tanta empatia uns pelos outros, o processo tem sido fácil".

A atriz e apresentadora Catarina Furtado encarna a personagem Bambi que, nas suas palavras, é "alguém que teve uma vida dificílima, com uma imensa incapacidade para tomar conta e lidar com a dor, carente, insegura e instável. Eu adoro-a, acho que ela precisa de algum colo” e revela que o regresso ao teatro era algo de que “já sentia ressaca de saudade”.

"Tenho a minha vida cheia de gavetas e, às vezes, não é muito fácil gerir as agendas, mas representar é uma parte muito grande de mim que, por causa do meu outro lado que também é importante para a minha sobrevivência mental, eu acabo por fazer menos vezes do que aquilo que gostaria. No ano passado e há dois anos tinha representado apenas em televisão e estava mesmo com muitas saudades do palco e do teatro. Achei que era a altura, era o elenco certo, a peça e o encenador certos e, por isso, faria muito sentido. Estou muito feliz por ter aceitado entrar neste desafio e tem sido maravilhoso trabalhar com eles os três e, em particular, com a Manuela porque tenho aprendido imenso, tem sido uma escola gratuita e um enorme privilégio".

Manuela Couto retribui os elogios e considera que Catarina revelou-se "a grande maravilha deste processo porque é uma pessoa fascinante, muito talentosa e uma mulher dos sete ofícios, o que eu admiro imenso porque eu não conseguiria fazer tanta coisa e bem! É muito focada, trabalhadora e foi um prazer vê-la a crescer de dia para dia".

A atriz que veste a pele de Margarida confessou que foi uma novidade "arrancar” com duas personagens ao mesmo tempo “porque quando começámos a ensaiar também começaram as gravações da novela “Ouro Verde” e são processos criativos simultâneos e em que temos que estar muito focados em cada uma delas o que é emocionalmente desgastante”, mas as expetativas são “boas e acho que as pessoas vão gostar”.

"Trata-se da nossa condição de sermos finitos com a ânsia de sermos infinitos. Nós todos vamos morrer um dia e nenhum de nós está preparado para isso e devíamos encarar isso de uma forma mais desprendida”.

Também Marcos Barbosa espera que "as casas estejam cheias e que as pessoas venham ver um texto que é uma história muito simples, mas que toca a toda a gente, e que é por vezes divertida e outras vezes dramática e que possam utilizar isso para as suas próprias vidas, que possam refletir, que passem a palavra e façam com que mais pessoas venham assistir a cada vez mais peças de teatro num país onde se faz muito e bom teatro.”

A peça vai estar em Lisboa de 11 a 22 de janeiro, às quintas, sextas e sábados, às 21h30 e aos domingos, às 17 horas. Os preços variam entre os 15 e os 18 euros.

 

 

 

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