Vodafone Mexefest: um peddy-paper pela Avenida da Liberdade

Na oitava edição, já não é novidade que o mais difícil no Vodafone Mexefest, o festival lisboeta de inverno, é escolher o que ver entre as mais de cinco dezenas de concertos a acontecer, durante os dias 25 e 26, nas cerca de 15 salas ao longo de toda a Avenida da Liberdade.
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A edição de 2016 manteve no roteiro o Palácio Foz, a Garagem EPAL, a Sociedade de Geografia de Lisboa, o Coliseu dos Recreios e a Casa do Alentejo, mas houve também direito a experimentar novos espaços: o histórico Cine- teatro Capitólio, situado no Parque Mayer, que reabriu ao público depois de quase seis anos de obras e o Sótão, no Teatro Tivoli BBVA.

O primeiro dia contou com um concerto surpresa de Jorge Palma às 20h45, no Largo de São Domingos, junto ao Teatro Nacional D. Maria II. Nós estávamos no Cinema São Jorge, na Sala Manoel de Oliveira, à espera dos londrinos The Invisible depois de termos assistido à atuação dos portugueses Acid Acid, na figura de Tiago Castro e da flautista Violeta Azevedo e que, perante um público pouco animado, mostraram o seu experimentalismo instrumental.

O rock alternativo aliado a diferentes sonoridades indie, downtempo ou até gospel de Dave Okumu, Tom Hebert e Leo Taylor, trio que compõe os The Invisible, foi recebido por uma sala praticamente cheia onde, para alguns, não foi fácil permanecer sentado. Para Dave Okumu foi “great to be back”.

Como a experiência Mexefest implica estar sempre a olhar para o relógio e andar de um lado para o outro, corremos para apanhar um dos quinze Toyota C-HR que durante os dias do festival davam boleias gratuitas entre as várias salas e conseguimos chegar à Estação Ferroviária do Rossio a tempo de ver o início do concerto de Baio, baixista dos  Vampire Weekend, o centésimo da tour do seu álbum de estreia, The Names.

Com o Castelo de São Jorge ao fundo, Chris Baio, acompanhado pelo guitarrista George,  ia animando o público com a sua dança peculiar e com o seu pop eletrónico, tão diferente do indie rock dos VW.

Subimos a Avenida e rumámos ao renovado Cine-teatro Capitólio para ver um dos grandes cabeças de cartaz da edição deste ano: Talib Kweli, o veterano do hip-hop.

O rapper de Brooklyn subiu ao palco num Capitólio esgotado e desafiou o público com um "Is the real hip hop in the house right now?". Um grito em uníssono confirmou a ansiedade com que o artista era esperado e, se dúvidas houvesse, bastava a presença de vários hip-hoppers nacionais como Xeg, Fuse, Valete ou Carlão que também não quiseram perder as palavras de ordem de Kweli.

“I am from Brooklyn but I represent the whole world through hip-hop", diz, chamando ao palco Niko Is, rapper brasileiro, e o seu freestyle multilingue. Seguiram-se homenagens aos Wu-Tang Clan, a Michael Jackson e a Nina Simone, mas, mais uma vez o relógio dava o alarme: NAO já estava a atuar no Coliseu dos Recreios.

Um dos fenómenos do momento, a cantora britânica apresentou-se pela primeira vez em solo nacional e trouxe na mala a soul e funk do álbum For All We Know. Bem disposta e descalça, dançou e fez todo o Coliseu dançar e cantar a cover de Prince, “If I Was Your Girlfriend”. Quando NAO se despediu ficou a sensação de que tinha sido uma das melhores prestações da noite.

Estava na hora de regressarmos ao Cinema de São Jorge onde a vencedora de um Grammy Latino ia tomar as rédeas do palco.

Já sentados, fomos surpreendidos pelo rapper e DJ português Mike el Nite e com a leitura de um poema “publicado na revista TV 7 Dias. Peço desde já desculpa por isso”, acrescentou. Confusos ao princípio, percebemos que se tratava da iniciativa Vozes da Escrita, introduzida este ano pela organização e que consistiu em sessões de leitura protagonizadas por artistas nacionais como Carlão, Mike el Nite, Fuse e Da Chick.

Eis que entra Céu,  num vestido dourado e botins prateados, e ouvem-se êxitos do álbum Tropix. À segunda música, “Perfume do Invisível”, já havia quem dançasse e, para a brasileira é “uma delícia estar aqui em Lisboa!”. A festa continuou por cerca de uma hora, mas só dentro da sala porque, lá fora, a fila afigurava-se longa.

O cansaço do sobe e desce Avenida começava a fazer-se sentir, mas ainda tínhamos Jagwar MA pela frente. Antes de entrar, outra vez, no Coliseu, é-nos oferecido um copo de chocolate quente que aceitámos sem qualquer pudor. A noite ia longa e o frio invernoso.

Com cerca de vinte minutos de atraso e depois de mais uma Vozes da Escrita, desta vez com Carlão a ler “um poema de um puto de Almada”, o trio australiano Jagwar MA terminou o primeiro dia do Mexefest com a sua música eletrónica psicadélica a levar ao rubro os presentes que pareceram incansáveis durante a hora que durou o concerto.

Ao segundo dia: a chuva

No segundo dia do festival foi a vez de António Zambujo subir ao palco do Largo de São Domingos. Para o cantor, apesar da chuva, “foi muito bom, as pessoas estavam todas contentes, com os guarda-chuvas e correu tudo bem, apesar de ter sido um concerto muito rápido, cerca de meia hora”.

E, já não bastava a indecisão na escolha do cartaz deste dia (Elza Soares, Mayra Andrade, Kevin Morby, Sara Tavares, Mallu Magalhães, Whitney, Gallant, Branko..), a chuva decidiu dar uns bons ares da sua graça e fez-nos perder os concertos de Gallant, por várias vezes comparado ao desaparecido Prince, e de Mallu Magalhães, a paulista que adotou Lisboa como morada em 2015.

Mas, ainda que munidos de guarda-chuvas, foram muitos os que assistiram ao Vodafone Cuckoo, quatro concertos gratuitos na varanda do Coliseu, com os Moullinex, Da Chick e Capitão Fausto e que acompanharam os Kumpania Algazarra, a banda que atuou ao longo da Avenida nos dois dias de festival.

As Golden Slumbers, dupla formada pelas irmãs Catarina e Margarida Falcão, atuaram no belo palco montado sob a escadaria da Sociedade de Geografia de Lisboa. Com uma atuação intimista, as irmãs tentaram disfarçar o nervosismo com piadas e tentando que o público participasse no concerto. Quase pareceu funcionar, mas assim que a app do Vodafone Mexefest anunciou que Elza Soares atuava daí a 15 minutos, percebemos que eram muitos os que faziam tempo ou procuravam abrigo da chuva.

Quando chegámos ao Coliseu dos Recreios havia muita gente a marcar lugar na primeira fila para ver de perto o grande nome do dia. A mulher do fim do mundo surgiu como que sentada num trono, vestida de preto e cabeleira roxa e, depois de cantar “Coração do Mar” e “Mulher do Fim do Mundo”, os dois primeiros temas do último álbum, lançado no Brasil em 2015, ouviu-se “Boa noite, Portugal. Boa noite, minha gente fixe”, continuando com um “Gostaram? Quero ouvir barulho, muito barulho. Ninguém parado, ninguém calado.” E o Coliseu acedeu ao pedido de Elza Soares.

Seguiram-se vários temas bem conhecidos do público presente como “Carne”, do álbum Do Cóccix Até o Pescoço e, antes de cantar “Maria da Vila Matilde”, tema alusivo à violência doméstica, uma Elza Soares assumidamente feminista anunciou: “Chega de sofrer calada. Mulher tem de gritar, gemer só de prazer. Denuncie. Levantou a mão, denuncie”. Acompanhada por um grupo de músicos de São Paulo, a diva brasileira terminou o concerto com um otimista “Isto é só o começo. Ainda vem muita coisa boa pela frente”.

Depois de Elza Soares, o nosso plano era fazer uma visita à sala ocupada pela cabo-verdiana Mayra Andrade, mas o temporal que se abateu sobre nós fez-nos mudar de planos. Virámos para o Teatro Tivoli BBVA e esperámos pelos Whitney que, neste verão, já tinham passado por Paredes de Coura.

Em palco apareceram apenas Julien Ehrlich e Max Kakacek em vez da banda de seis elementos e logo Ehrlich justificou a ausência dos companheiros: “Os nossos colegas foram para os Estados Unidos para o Dia de Ação de Graças ou assim, mas nós quisemos continuar na vossa bela cidade”. E ainda bem que assim fizeram. O concerto que se seguiu foi um magnífico acústico de Light Upon a Lake, com trocas de piropos  entre goles de vinho Borba.

Deixámos o Tivoli e decidimos que estava na hora de experimentar o Vodafone Bus. Lá dentro, os 800 Gondomar com um rock cru de guitarra, bateria e baixo faziam o autocarro abanar em festa.

Já quase no fim da noite, era a vez de Taxiwars, a banda de Tom Barman, líder dos belgas dEUS, e do saxofonista Robin Verheyen atuarem na Casa do Alentejo e, tendo em conta o tamanho da fila de pessoas à espera para entrar, as expetativas, já de si grandes, aumentaram exponencialmente.

E não fomos defraudados. Barman, Verheyen, Nicolas Thys no baixo e Antoine Pierre na bateria deram um concerto eletrizante, onde o jazz e o swing se misturavam com uma onda rock e a cumplicidade entre os membros da banda era evidente.

Tom Barman, em conversa com o VerPortugal, mostrou-se bastante satisfeito com a atuação e disse que “o público foi muito bom, o espaço é muito bonito e, apesar de não ser uma sala fácil, como os lisboetas devem saber, por causa dos tetos muito altos, foi ótimo! Acho que havia uma grande fila lá fora, não havia?”, perguntou-nos, entre risos. Ficou prometido o regresso até porque Tom já tinha dito aos seus companheiros “que foi sempre muito bom vir a Portugal e ainda bem que vocês hoje não desapontaram, porque o público é sempre muito importante. Divertimo-nos imenso, já vamos em 25 espetáculos este mês, por isso, estamos com uma boa “vibe”.

A edição de 2016 do Vodafone Mexefest estava quase no fim e só nos faltava ver Branko, ex-Buraka Som Sistema, transformar o Coliseu dos Recreios numa enorme pista de dança ao som da sua música eletrónica. No meio da urbanidade de sons de Atlas, álbum que o ex-Buraka lançou em 2015, surgiu a voz quente de Mayra Andrade numa “Reserva para Dois”. Terminada a festa fica a certeza que para o ano há mais.

 

 

 

 

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